quarta-feira, 21 de setembro de 2011

América Latina, mundo de droga



Um estudo recente realizado pela Comissão Mundial para Políticas Antidrogas, que conta com o aval da ONU, chegou a uma conclusão óbvia, mas nem por isso menos eloqüente: o que o mundo anda fazendo para combater o uso de drogas ilegais, a tal "guerra às drogas" iniciada há quatro décadas pelo presidente norte-americano Richard Nixon, é um fracasso rotundo, contundente e irremediável. E a razão de terem chegado a essa conclusão é simples: bilhões de dólares e milhares de vidas mais tarde, a produção, o comércio e o uso das drogas ilegais continua crescendo a todo vapor. Aliás, cresce tanto que hoje em dia cocaína e heroína custam muito menos do que custavam há vinte anos.

Calcula-se que existam no mundo 270 milhões de usuários de drogas. Um Brasil e meio. Uma população 27 vezes maior que a de Portugal, quatro vezes e meia maior que a da França, seis vezes maior que a colombiana. Enfim, um número de pessoas que, reunidas, formaria o quarto país mais populoso do mundo.

O maior mercado consumidor é os Estados Unidos, que consome anualmente, segundo os cálculos mais fiáveis, cerca de 165 toneladas de cocaína. Em segundo lugar, mas avançando rapidamente, vem a Europa, que consome cerca de 124 toneladas anuais. Esses dois mercados são abastecidos basicamente pela produção latino-americana de cocaína, mais especificamente da região andina, ou seja, Bolívia, Peru, Colômbia e, em medida quase insignificante, Equador. A maior parte do que chega aos Estados Unidos passa pelo México, onde, aliás, se consome 17 toneladas anuais, deixando o Canadá, com suas 14 toneladas, para trás.

Para a Europa, outras rotas são mais utilizadas, levando a cocaína latino-americana via África do Sul e, em muito menor medida, através do Brasil.
Para a América Latina, esse mundo de droga produzida e negociada tornou-se um problema que em alguns países ameaça escapar de controle. Sabe-se bem da convulsão enfrentada pelo México, fala-se de como a Colômbia pouco a pouco procura voltar aos eixos, mas pouco ou nada se fala do que acontece nos países da América Central. Lá, pelo menos três países – El Salvador, Honduras e Guatemala – que mal se recompõem do flagelo de prolongadas guerras civis correm o gravíssimo risco de se tornarem vítimas terminais do crime organizado pelo narcotráfico.

Se economias aparentemente prósperas, se países que vivem tempos de bonança, enfrentam a ameaça de poderes paralelos formados pelos grandes cartéis de drogas, o que dizer de países pequenos, que mal cicatrizam as chagas de um passado recente? Vale recordar um estudo do Banco Mundial, indicando que, na América Central, o custo do crime e da violência corresponde a 8% do PIB da região.

Muito se menciona a Colômbia como exemplo bem sucedido da luta contra o tráfico de drogas. Um exame mais sereno e meticuloso mostra que a realidade não é bem essa. Diminuiu, e muito, a violência, é verdade. Mata-se e morre-se hoje menos do que há dez ou quinze anos. O volume de drogas exportadas, porém, permaneceu praticamente inalterado. Uma série de fatores que são impossíveis de se reproduzir em outros países funcionou na Colômbia, que, além de drogas, exportou o caos – basta ver o que acontecia há dez ou quinze anos no México e na América Central, e o que acontece agora. Ou seja, cura-se aqui enquanto feridas são abertas ali e acolá.

Resta ver, além do mais, que medidas os Estados Unidos pretendem tomar para impedir o fluxo de armas para os países exportadores de drogas. De cada dez armas aprendidas no México, sete saíram dos Estados Unidos. O governo colombiano detectou e apreendeu vários carregamentos de armas de pequeno calibre – revólveres, pistolas – despachados dos Estados Unidos pelo correio.

A questão é vasta e profunda, mas até agora não conseguiu levar a trilha alguma que seja capaz de encaminhar, se não para uma solução, ao menos para um paliativo eficaz. E nesse mercado em franca expansão, nessa festança macabra, enquanto norte-americanos e europeus continuam pondo os usuários, os latino-americanos continuam pondo as drogas e os mortos. Na Colômbia, perdeu-se a conta. No México, pelo menos 42 mil nos últimos cinco anos, e caminha-se rápido para a marca dos 50 mil.

Na América Latina, os produtores e exportadores de drogas são empresários bem sucedidos, sem dúvida. Lucram cada vez mais, e mostram que sabem defender seus interesses, não importa ao custo de quantas vidas.

Pena que esses latino-americanos, empreendedores bem sucedidos, tenham preferido manter seus negócios em nossas comarcas. Bem que poderiam seguir o exemplo dos plantadores de maconha na Califórnia. Lá, os empreendedores locais conseguiram um feito notável: hoje em dia, a maconha é o mais bem sucedido cultivo em todo o estado. Rende cerca de 14 bilhões de dólares por ano. Plantam, processam, comercializam – e nenhum latino-americano morre por causa deles.

domingo, 18 de setembro de 2011

Combate às drogas aumentou população carcerária feminina na América Latina

 

A repressão contra as drogas provocou nos últimos anos um aumento significativo da população carcerária, principalmente a feminina, em toda a América Latina. A maioria dessas mulheres, presas por envolvimento com o tráfico de drogas, é pobre e trabalha como “mula” (pessoa que transporta drogas entre países) para sustentar a família.

De acordo com a deputada da Assembleia Nacional do Equador, María Paula Romo Rodríguez, o crescimento das mulheres envolvidas com tráfico ocorreu principalmente na última década. No México, 44% das mulheres encarceradas foram presas por participação no tráfico de entorpecentes. No Equador, esse número chega a 80%.

No Brasil, o tráfico de drogas é o segundo maior motivo de prisão de mulheres. De acordo com dados do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) do Ministério da Justiça, das 28,1 mil mulheres em privação de liberdade, 14,6 mil foram presas por tráfico de entorpecentes.

“A distorção que essa guerra contra as drogas provocou nos sistemas penitenciários da região e o foco dessa guerra têm como suas principais vítimas as mulheres pobres de nossos países”, disse María Paula durante a 3ª Conferência Latino-Americana sobre Política de Drogas, na Cidade do México.

Para ela, os governos deveriam dar oportunidade econômica para as mulheres, além de revisar o sistema penal. “O combate deveria focar na parte mais alta do tráfico, que são os chefes. Prender essas mulheres não muda a realidade do tráfico de drogas em nenhum país.”

A deputada ainda criticou as “políticas errôneas, que saturam as cadeias, bem como as penas desproporcionais, essencialmente contra pessoas que ocupam o degrau mais baixo do tráfico, chamadas mulas”.

Ela citou como exemplo os casos de jovens mães que carregaram pequenas quantidades de drogas e receberam sentenças de até 18 anos de prisão. “Estamos cuidando do caso de uma mulher de 75 anos condenada a 8 anos de prisão por posse de 22 gramas de maconha", destacou.

Ela acrescentou ainda que em 2008, 40% da população prisional do Equador foi libertada após a sanção de uma lei de anistia para redução da pena daqueles que foram presos com menos de dois quilos de drogas. Porém, em 2009, alguns setores políticos do país voltaram a discutir políticas mais duras de repressão.

Nas últimas duas décadas, com o aumento do consumo na América Latina, foi registrado também aumento da violência na região. "Podemos dizer que a guerra contra as drogas não atingiu os objetivos para o qual foi levantada, as plantações não foram erradicadas, o tráfico não foi controlado, muito menos a redução do consumo na região.”

Fonte: OperaMundi

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

PUC-SP fecha câmpus para impedir 'Festival da Cultura Canábica'


Marcelo Godoy e Ocimara Balmant - Especial para o Estado
O principal câmpus da PUC, na Rua Monte Alegre, ficará fechado nesta sexta-feira em São Paulo. O reitor, Dirceu de Melo, suspendeu as aulas e todas as atividades administrativas para impedir a realização do Primeiro Festival da Cultura Canábica, organizado pelo Facebook, que, até ontem à noite, já tinha mais de 6 mil confirmados. Assim que a nota de Melo suspendendo as atividades foi divulgada, os organizadores começaram a se mobilizar, no próprio Facebook, para que o evento não seja cancelado.
'Festa não tinha como dar certo', disse um dos alunos - Reprodução
'Festa não tinha como dar certo', disse um dos alunos.
“Eu tenho que considerar a situação em função do que acontece. Quando soube do objetivo e do alcance desse evento, achei que fechar o campus era o mais apropriado. Se insistirem, terei de tomar outras providências”, diz Melo.
Alunos criticaram a decisão do reitor. “A decisão mostra o conservadorismo da instituição. Se falar sobre a descriminalização da maconha fosse apologia, tem ex-presidente brasileiro em conta com a justiça”, disse uma aluna. Outros, pediam que todos comparecessem para que fosse organizada uma invasão.
Há outros, no entanto, que não aprovam a festa. “Lugar de discutir legalização não é na PUC com uma festa para 6 mil pessoas fumando e bebendo a vontade. PUC virou sinônimo de baderna por causa de pessoas assim”, postou uma estudante de direito.
Para Stefano Wrobleski, 21, aluno do 3.º ano de jornalismo e membro do centro acadêmico, “perder aula só para que a festa não aconteça é um absurdo”. “O pior é que isso abre um precedente para que isso aconteça outra vez. Essa festa não foi organizada pelo diretório, mas o que vejo é que a diretoria quer uma PUC sem festas. E isso não está certo. Universidade não serve só para aulas, mas também é um lugar de convivência."
O delegado Wagner Giudice, diretor do Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos (Denarc), afirmou que os organizadores do festival da cultura canábica serão investigados pela Polícia Civil. “Um inquérito vai apurar, e seus organizadores terão de prestar esclarecimentos”, afirmou.
Em tese, além do crime de apologia ao uso de drogas, os organizadores podem ser acusados de associação para o tráfico de drogas, crimes punidos com detenção de 3 a 6 meses e com 3 a 10 anos de prisão, respectivamente. Em seu ato, o reitor da PUC afirma que um inquérito foi aberto pela polícia e diz ainda que a universidade vai prestar esclarecimentos sobre as providências tomadas para evitar o festival.
No ato que publicou, o reitor afirma que a decisão da suspensão das aulas considera outros problemas que têm ocorrido com frequência. Ele afirma que as festas nas noites das sextas-feiras ganharam proporções inadmissíveis por conta do barulho, duração até a madrugada e uso “não dissimulado de bebidas alcoólicas e entorpecentes, afora outras condutas reprováveis.” Dirceu diz também que tem havido reclamações dos vizinhos, alunos e pais de alunos e que, recentemente, até a encenação de um espetáculo no Tuca, o teatro da universidade, foi prejudicada pelo barulho. / COLABOROU CEDÊ SILVA, ESPECIAL PARA O ESTADO 

Fonte: Estadão

Traficantes ameaçam matar blogueiros no México


Traficantes mexicanos fizeram uma ameaça nesta semana aos sites que cobrem a guerra contra as drogas, ao colocarem uma mensagem ao lado de dois corpos mutilados pendurados em uma passarela.
Cartaz deixado por traficantes de drogas em ponte no México ameaça sites que cobrem a guerra contra o narcotráfico / ReproduçãoA mensagem advertia os blogueiros a ficarem em silêncio e foi encontrada perto dos corpos de um homem e uma mulher que pendiam de uma passarela na cidade de Nuevo Laredo, perto da fronteira com os EUA, na terça-feira.
"Isso é o que vai acontecer a todos aqueles que postarem coisas engraçadas na internet. É melhor prestar atenção. Estou prestes a pegar vocês", dizia o cartaz assinado apenas com a letra "Z", em uma referência à violenta quadrilha Zetas, que controla o tráfico na região.
O cartaz deixado junto aos corpos, que tinham entre 20 e 25 anos e não foram identificados, citava o nome de dois sites muito populares que cobrem a guerra contra as drogas no México: o Blog del Narco e o Frontera al Rojo Vivo. Este último, controlado pelo jornal "El Norte", da região de fronteira, disse que todo o material de arquivo foi retirado do blog, inclusive as informações sobre os colaboradores.
"De agora em diante, publicaremos apenas fatos específicos e informações sobre as comunidades da fronteira, e não ataques pessoais", dizia uma notícia publicada no site nesta quinta-feira.
Frequentemente, os traficantes de drogas ameaçam a mídia local, tentando impedir a cobertura. Ao menos 42 jornalistas foram mortos na região nos últimos cinco anos, de acordo com o Comitê para a Proteção dos Jornalistas.
Desde então, muitos jornais e outros veículos de comunicação deixaram de publicar fotos de vítimas de assassinato ou dos bilhetes que a quadrilha costuma usar para ameaçar os rivais, a polícia ou a população.
No total, cerca de 42 mil pessoas morreram desde que o presidente Felipe Calderón determinou que o Exército investisse contra os cartéis, em dezembro de 2006.

Fonte: O Globo

Médicos e governo discordam sobre mudanças na Lei de Drogas


Representantes do governo e médicos especialistas em dependência química manifestaram posições contrárias em relação ao projeto de lei do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que prevê pena de detenção ou tratamento especializado em condutas relacionadas a drogas.
O projeto de lei (PLS 111/2010) foi discutido em audiência pública na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), nesta quinta-feira (15), a requerimento da relatora da matéria na comissão, senadora Ana Amélia (PP-RS).
A Lei de Drogas (Lei 11.343/06) não precisa ser modificada, afirmou o representante da Secretária Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), do Ministério da Justiça, Vladimir Stempliuk. Em sua opinião a legislação é coerente com a política de humanização do atendimento a dependentes químicos, bem como com a Constituição, pois respeita os direitos humanos e as liberdades individuais.
Ele disse que a Senad não concorda com punição e internação compulsória por considerar a dependência de drogas doença e não problema de segurança pública. Ele argumentou que o Estado não pode obrigar as pessoas a buscarem tratamento ou modificar a dieta para evitar doenças. Assim, ressaltou, a lei vigente prioriza o combate aos grandes grupos criminosos e não a prisão dos usuários.
Demóstenes Torres (DEM-GO) explicou que a proposta não tem a finalidade de levar usuários à prisão, mas de dar ao juiz possibilidade de aplicar uma pena, uma vez que a lei atual apresenta apenas meras recomendações. Na avaliação do senador, a lei atual é inconstitucional, uma vez que criminaliza condutas associadas a drogas, mas não prevê punição.
O senador ressaltou que as drogas estão diretamente relacionadas ao crime. Assim, observou, a internação e tratamento, mesmo contra a vontade do usuário, são necessários para preservar a saúde e a segurança coletivas.
Demóstenes disse ainda estar preocupado que o governo esteja "espalhando mentiras", difundindo a idéia equivocada de que a proposta vai prender em massa os usuários de drogas.
- Não se pode falsear, mentir sobre o projeto. Não devemos convencer pela mentira - disse Demóstenes Torres.
Também a representante da Área de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Maria Cristina Correa Hoffmann, disse que o ministério é contrário à proposta - que considera "um retrocesso" - por abordar tratamento como sinônimo de pena. Para ela, o Estado deve garantir o direito à vida e à saúde ao estimular mudanças no comportamento dos cidadãos e não puni-los. A lei, afirmou, já prevê punição em casos em que houver infração penal.
Maria Hoffmann informou que o governo elabora programa de estratégias para enfrentamento das drogas, com diversos ministérios. Ela disse que as pessoas têm liberdade de escolher sobre sua qualidade de vida e garantiu que a lei em vigor prevê assistência gratuita de saúde.
Avanço
O presidente do Conselho Regional de Medicina de Goiás, Salomão Rodrigues Filho, disse que a proposta de Demóstenes é "um avanço", pois apresenta alternativa para reduzir problemas gerados pelo consumo de drogas. A maioria dos crimes que vão a júri popular - os dolosos contra a vida - está relacionada ao uso de drogas, informou. Em Goiânia (GO), disse, 61% dos crimes julgados pelo Tribunal do Júri têm ligação com drogas.
Salomão Rodrigues sugeriu adoção de pena financeira, proporcional ao patrimônio do usuário. Segundo ele, são os usuários recreativos - consumidores eventuais e que não são dependentes - que sustentam o trafico de drogas.
Ele afirmou que o poder público não oferece assistência adequada aos dependentes de drogas, tanto lícitas como ilícitas, o que gera a degradação da sociedade. Para ele, a política de tratamento das doenças mentais adotada pelo Brasil transferiu esses doentes para as penitenciárias. Ele informou que cerca de 60% dos presidiários são pessoas com problemas mentais.
A reforma psiquiátrica - que desativou manicômios e proibiu que hospitais contratassem novos leitos para tratar doenças mentais - é equivocada, também na opinião de Marcelo Ferreira Caixeta, médico psiquiatra especialista em dependência química. Ele disse que existem casos em que é preciso internação para evitar que pessoas sem condições causem danos a si ou a pessoas próximas. Os hospitais gerais, disse, não têm estrutura para atender esses doentes.
Essa falta de estrutura para atender os dependentes químicos e os doentes mentais, observou, não depende de recursos, mas de melhor gerenciamento.
- A proposta de Demóstenes é uma esperança para políticas de saúde e segurança, que já se demonstraram catastróficas, disse Marcelo Caixeta.


Fonte: Correio do Brasil

Conferência Livre sobre Drogas

Amanhã, 16/09 (sexta-feira), às 14h, no Auditório do DCE/UFRN, acontecerá a Conferência livre sobre drogas para discutirmos as  políticas públicas no trato da questão dos psicoativos.

O texto base que está disponível no site http://www.juventude.gov.br/wp-content/uploads/2011/06/TextoBase_2Conf.pdf

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

ONU diz que drogas do tipo anfetamina estão quase tão comuns quanto maconha

 

Segundo um relatório da ONU, grupos criminosos estão vendendo drogas do tipo anfetamina, como ecstasy e metanfetamina, por ser mais barato e fácil de fazer, em novos mercados.

O número de comprimidos de metanfetaminas apreendidos no sudeste da Ásia, por exemplo, quase triplicou em um ano para 93 milhões (em 2009), e depois aumentou para 133 milhões em 2010. O número de laboratórios também disparou.

Apreensões policiais de todos os estimulantes do tipo anfetamina (ATS, na sigla em inglês) aumentou entre 2005 e 2009, exceto o ecstasy, que se manteve constante, enquanto a cocaína, a heroína e a cannabis ficaram em grande parte estáveis.

“O mercado ATS evoluiu de uma indústria caseira caracterizada por operações de pequena escala de produção para um mercado do tipo da cocaína ou heroína, com um maior nível de integração e grupos de crime organizado em toda a cadeia de produção e abastecimento”, disse o Diretor Executivo do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), Yury Fedotov.

Vários países europeus têm relatado um aumento no uso e na produção de metanfetamina, que é mais forte e age mais rapidamente do que as anfetaminas padrão.

Segundo o relatório, países do Oeste Africano começaram a fabricar a droga; ATS que foram apreendidos em vários países do Leste Asiático parecem ter se originado na África Ocidental.

Países da América Central e do Sul também estão relatando um aumento na fabricação de ATS, com laboratórios desmantelados aqui no Brasil, em Guatemala e Nicarágua.

A ONU também destacou o surgimento de novos estimulantes chamados substâncias analógicas, que estão fora do controle internacional e estão amplamente disponíveis na internet.

Drogas como mephedrone ou metilenodioxipirovalerona, que vieram à tona pela primeira vez no ano passado, são vendidas como “sais de banho” ou “alimentos para planta” na net, e substituídas por drogas ilegais como a cocaína.

O uso de ATS apresenta problemas de saúde particularmente relacionadas com a propagação do HIV e AIDS. Existe uma preocupação especial com isso no leste e sudeste da Ásia, bem como partes da Europa.
 
Fonte:  Hype Science

Mensalão da UPP: PMs recebem até R$ 53 mil por mês

Trinta policiais da unidade da Coroa, Fallet e Fogueteiro são investigados por envolvimento na ‘caixinha do tráfico’ local


POR JOÃO ANTÔNIO BARROS


Rio - Uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) no caderno do tráfico. Criada para colocar um ponto final no domínio do crime organizado nos morros do Catumbi, a UPP da Coroa, Fallet e Fogueteiro se rendeu ao dinheiro das drogas. Um grande esquema de corrupção foi descoberto na unidade, onde propinas fixas são pagas regularmente pelos traficantes a policiais. O mensalão da UPP abastece os agentes com quantias que variam de R$ 400 a R$ 2 mil e no mês totalizam mais de R$ 53 mil.

Trinta homens da unidade são investigados por envolvimento na caixinha do tráfico. Eles foram monitorados durante um mês por policiais da Coordenadoria de Inteligência da PM. Terça-feira, três agentes foram presos pela Corregedoria — um sargento e dois soldados. Com eles, no carro, havia R$ 13,4 mil. O dinheiro estava em envelopes, que continham valores entre R$ 100 e R$ 500 e o nome dos policiais.

Pacificação chegou ao Catumbi, mas investigação mostra que grupo fez acordo com tráfico| Foto: Léo Corrêa / Agência O Dia


VALORES DIFERENCIADOS


O valor das propinas era fixado de acordo com a patente e a importância do agente na estrutura do policiamento. Durante a apuração, os policiais do Setor de Inteligência descobriram que no dia de plantão dos investigados não havia repressão ao tráfico. Os bandidos agiam livremente e vendiam drogas nos principais becos das favelas da Coroa, Fallet e Fogueteiro. Mas sem ostentar armas.

A unidade pacificadora do Catumbi tem 206 policiais e a possível ligação com as propinas do tráfico atinge 14,5% do efetivo. O comandante e o subcomandante da UPP — capitão Elton Costa e tenente Medeiros — também são investigados sobre o ‘mensalão’, que teria o sargento detido terça-feira como operador do esquema.


Seria ele a pessoa que aparece nas investigações negociando com traficantes a retirada dos PMs das áreas onde há venda de drogas nos morros e os valores da propinas. Inquérito Policial Militar, aberto no Comando da Polícia Pacificadora, será analisado esta semana pela juíza Ana Paula Pena Barros, da Auditoria da Justiça Militar, que decidirá se decreta a prisão dos PMs.


Intervenção e 30 policiais investigados afastados


O Comando de Polícia Pacificadora, que participa da investigação, resolveu na quinta-feira intervir na UPP da Coroa, Fallet e Fogueteiro. Os 30 policiais investigados pela Corregedoria da PM foram afastados, conforme a publicação no Boletim da Polícia Militar, e destacados ao batalhão de origem. Todos são recrutas e foram selecionados no ano passado por unidades do Interior do Rio (Itaperuna, Macaé, Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis).


Os policiais estavam lotados na UPP Coroa, Fallet e Fogueteiro desde a inauguração da unidade, no dia 25 de fevereiro deste ano. A ideia de selecionar homens novos na carreira policial e do Interior era justamente para impedir a contaminação dos agentes com esquemas de corrupção do tráfico de drogas. Eles serão substituídos, agora, pelos novos recrutas que estão sendo formados pelo Centro de Aperfeiçoamento de Praças (Cefap).

Vítimas de atentado estava fora de esquema



A investigação do envolvimento de PMs na caixinha do tráfico levou à descoberta de que o atentado a três agentes, em junho deste ano, não foi mera coincidência. Lotados na UPP, eles estavam fora do esquema do mensalão das drogas e, em todo plantão, faziam exatamente o que se espera de um policial: tentavam prender os criminosos.


A ação dos PMs irritou os bandidos, que resolveram dar um corretivo em quem insistia em se ausentar do caderninho do tráfico: jogaram uma granada no momento em que os três agentes patrulhavam os becos do Morro do Fallet. O soldado Alexander de Oliveira foi atingido na emboscada e perdeu parte da perna direita e teve fratura do braço esquerdo. Outros dois PMs foram atingidos por estilhaços.


O trabalho dos agentes da Coordenadoria de Inteligência mostrou que nem todos os policiais da UPP estão envolvidos no esquema de corrupção. Mas um bom número de homens sabia da ligação de alguns colegas com os traficantes. O sargento e os soldados presos na terça-feira alegaram na 1ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar (DPJM) que os R$ 13,4 mil encontrados com eles no carro não era de nenhum deles. E nem sabiam o que faziam os nomes dos agentes nos envelopes.


Controle do tráfico na cadeia


O tráfico nos morros do Catumbi é controlado por Valquir Garcia dos Santos, o Valqui. Dono de uma extensa ficha criminal — são 17 anotações —, ele é foragido do Instituto Penal Ismael Pereira Sirieiro, em Niterói, de onde saiu pela porta da frente, em fevereiro do ano passado.


O traficante ganhou o benefício da visita periódica ao lar, após ser preso, em 2005, ao ser baleado numa troca de tiros com policiais quando mantinha uma família como refém. Enquanto esteve preso, Valquir dos Santos mostrou que seu poder vai além das grades: determinou o fechamento do comércio na região do Catumbi, em luto pela morte do irmão, Valcinei Garcia dos Santos, o Caê, que foi morto pela polícia.


Toda a quadrilha responsável pelo tráfico de drogas está identificada no inquérito aberto da 6ª DP (Cidade Nova) pelo delegado Luiz Alberto Andrade e com prisão decretada pela Justiça.


Números


R$ 13.400
Valor apreendido no carro com três policiais que foram presos, após investigação. Envelopes tinham nomes de PMs


14,5%
Percentual do efetivo — de 206 policiais militares que atuam nos morros da Coroa, Fallet e Fogueteiro — que estaria comprometido com traficantes para recebimento de dinheiro


R$ 2 MIL
Valor a que chegavam as quantias pagas a cada policial para fazer vista grossa para a atuação dos traficantes. Esquema foi descoberto depois de três meses de monitoramento

Folha de coca tem área plantio estabilizado e está garantida oferta de cocaína

O escritório vienense das Nações Unidas, — responsável pela política internacional sobre o fenômeno das drogas proibidas segundo estabelecido pela velha Convenção de 1961 (Unodc)–, acaba de informar, com base em levantamentos realizados em 2010, que está estabilizada a “área de cultivo” de folha de coca na Bolívia.

Na Bolívia está a terceira maior área de folhas de coca. E o impuro cloridrato de cocaína produzido na Bolívia destina-se, em cerca de 80%, ao mercado consumidor brasileiro. Quanto ao Brasil, — já que a Bolívia não possui indústria química–, cabe o fornecimento dos insumos (precursores químicos) que são empregados na elaboração do cloridrato de cocaína (pó, no jargão popular).

Os dados da Unodc, a partir de 2006 ( a área de cultivo era de 25.400 hectares), apontavam um crescimento que teria se estabilizado em 2010. Segundo o escritório da Unodc, a Bolívia contava, até 2010 e no seu território, com 31.000 hectares de folhas de coca.

Para especialistas independentes e que conhecem bem as deficiências e a péssima fama de que goza a Unodc, — um órgão chapa-branca que faz levantamentos baseados em informações dos seus inexpressivos escritórios espalhados pelo planeta e dos próprios estados-membros da ONU–, o crescimento observado na Bolívia (terceiro maior produtos) e no Peru (segundo maior produtor) foi uma decorrência do Plan Colombia. Com o despejo desordenado de herbicidas em áreas colombianas, houve migração de cultivos para o Peru e a Bolívia.

Na Bolívia,– e feita a comparação com o dado de 2009–, o crescimento foi de 0,3%, consoante o Unodc. Ou seja, chegou-se aos 31.000 hectares calculados os 0,3% de crescimento. Importante notar que o escritório da ONU fala em área de cultivo. A expressão “área de cultivo” é enganosa, pois o arbusto de coca se espalha, sem necessidade de plantio.

De se frisar, ainda, que no governo Evo Morales aumentou-se a área de plantio doméstico. O chamado “cato” passou para 12.000 hectares. O uso doméstico é milenar na Bolívia e entre os índios a folha de coca é considerada sagrada.

No Peru, a área de coca atinge 61.000 hectares e na Colômbia chega a 57.000, depois do fracasso do Plan Colômbia. Outra área de produção está no Equador.

Pano Rápido. Para especialistas independentes, nos últimos 20 anos e na região andina, a área de cultivo sempre varia em torno de 200.000 hectares. Fotos aéreas e de satélite comprovam que há 20 anos existe uma estabilização na área andina. Isso quer dizer que a produção de cloridrato de cocaína não é afetada. Ou melhor, as políticas de “guerra às drogas”, desde a atrasada e ainda vigente Convenção de 1961 (Convenção Única de Nova York sobre drogas ilícitas), não funcionam.

sábado, 10 de setembro de 2011

Exclusão e silêncio

Por Dr.Rosinha


Há uma ameaça pairando sobre nós: a volta dos manicômios. Há quem defenda que a solução para a vida dos portadores de sofrimento mental é o seu internamento, se possível por tempo indeterminado, em hospitais psiquiátricos, os manicômios.

Como o nome “manicômio” não fica bem, dão outro nome qualquer, mais elegante, mais comunitário, que rima com solidariedade ou aconchego. Mas, para eles, não importa o nome, o que importa mesmo é o internamento pelo maior tempo possível.

Nos manicômios, os usuários (vítimas) das drogas estão longe dos olhares e dos ouvidos da sociedade. Não são vistos, e seus gritos de socorro não são ouvidos. É a exclusão e o silêncio, sem o incômodo. Longe das ruas, não existem para a sociedade. Existem só para a pobre e sofredora família, e para o empresário que vai receber do SUS.

O argumento para a volta dos manicômios, sob outras roupagens, é a epidemia de consumo de crack no país. Há ou não essa epidemia? Há uma epidemia de consumo de drogas? Quais são as drogas mais consumidas e que mais matam no Brasil? A resposta a esta última pergunta é fácil, mas quase que ignorada, pois o consumo delas gera lucro, para poucos.

Falam da epidemia de crack, mas poucos falam do consumo de álcool e cigarros. O consumo de ambos é uma verdadeira epidemia. Geram, como todas as drogas, dor, sofrimento e morte.

Vale lembrar que os meios de comunicação, principalmente rádios e TVs, pouco falam dos malefícios do álcool. Afinal, ganham muito dinheiro com a propaganda das bebidas. Álcool e tabaco são drogas lícitas pouco questionadas apesar de serem epidemicamente consumidas e causarem doenças e mortes.

Quanto às drogas ilegais, felizmente são questionadas e debatidas. Alguns, de boa fé, fazem esse debate porque querem uma solução através dos serviços públicos de saúde. Há outros que fazem o debate porque querem, através de serviços privados, ganhar dinheiro.

De qualquer maneira, é bom que esteja ocorrendo o debate. Assim, quem sabe, pela cobrança da sociedade, seja colocada em prática uma política de saúde mental, já debatida ao longo das últimas quatro conferências nacionais de saúde mental realizadas no país, e também definida em lei.

Não farei aqui uma análise exaustiva do nosso aparato legal, mas chamo a atenção para a lei federal de número 10.216, de 6 de abril de 2001, que estabelece e disciplina o atendimento à saúde mental. Porém, antes, chamo a atenção para o fato de esta lei não estar sendo cumprida. Pior: há movimentos para que ela seja mudada ou mesmo desrespeitada.

O artigo 2º da lei, através de seu parágrafo único, define os direitos da pessoa portadora de transtorno mental:
“I – ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;
II – ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;
III – ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
IV – ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V – ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;
VI – ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
VII – receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento;
VIII – ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;
IX – ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.”

A responsabilidade de assegurar esses direitos, de acordo com o artigo 3º, cabe ao Estado. Cabe a ele desenvolver a política de saúde mental, com a “participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental[...]”.

A internação, conforme o artigo 4º, “em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes”, e será feita em serviços que ofereçam “assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros”.

Especialistas e mídia, para o “bem da sociedade e do doente”, desrespeitando toda a legislação e experiências que já deram certo, propõem o retrocesso: o internamento sem passar pelas fases anteriores. Pior: o internamento compulsório.

Sequer se completou, justamente por resistências de tais setores, a Reforma Psiquiátrica, e querem a volta daquilo que ainda não foi abandonado. Querem a volta, e com mais peso, com a mão mais firme, pois agora “há uma epidemia, a da droga”.

Se, antes, os loucos foram o perigo social, agora são os usuários de álcool e principalmente do crack os “perigosos”. São para essas vítimas de sofrimento mental que “especialistas” propõem a segregação e a exclusão social.

Como afirmei acima, o nome manicômio não fica bem, querem algo que dê um aspecto de solidariedade e aconchego. E, nesse sentido, um nome encaixa perfeitamente: “Comunidades terapêuticas”. Elas cumprirão o objetivo que, no geral, buscam – o internamento.

O internamento, fora do estabelecido pela lei 10.216, além de representar o desrespeito aos direitos humanos, representa outro modelo de atenção a saúde mental e não o preconizado pela lei. Esse tema foi exaustivamente debatido na 4ª Conferência Nacional de Saúde Mental, que decidiu com clareza e coragem, em 2010, pela não inclusão das comunidades terapêuticas na rede de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS).

Nessa decisão, foi reafirmado que o investimento público deve ser dirigido à criação e ampliação da rede de serviços substitutivos, em defesa dos direitos humanos, da liberdade e da inclusão dos usuários no território. Ou seja, deve ser cumprida a lei 10.216.

Afirma o movimento antimanicomial, com o qual concordo, que não cabem dois modelos na reforma psiquiátrica. Não é possível, financeira e eticamente, sustentá-los. Serviços que trabalham para a construção da inclusão e da liberdade não convivem com os que negam esses direitos.
 

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Maconha faz emagrecer?

 

Até as caixas de papel-gomado vendidas nas bancas de revistas sabem que fumar maconha aumenta o apetite. E se aumenta o apetite e há ingestão de comida sem queima de calorias, em tese, alguns gramas são ganhos.

Cerca de cinco anos atrás e sobre a economia canábica, escrevi um artigo na revista CartaCapital, me referi a um estudo feito em Londres. O estudo mencionava o consumo elevado de pizzas entre usuários que, com as namoradas, passavam os sábados em casa, a fazer uso canábico (fumacê, diriam os adolescentes) e a assistir filmes alugados. Lucravam as pizzarias, as locadoras e as fábricas de refrigerantes e cervejas.

Um estudo feito por pesquisadores franceses do Instituit National de la Santé et de la Recherche Médicale (Inserm) que acaba de ser publicado noAmerican Journal of Epidemiology, coloca em dúvida a tese de que maconha abre o apetite. Pela pesquisa, fumar maconha emagrece.

Para os pesquisadores, o porcentual de obesidade para quem fuma (dá um tapa, diriam os jovens) cigarro de maconha pelo menos três vezes por semana é mais baixo, 33%, em comparação com os não fumantes.

Os autores do estudo analisaram duas fontes de dados colhidos com cerca de 52 mil norte-americanos.

Com base na primeira fonte, descobriram que a obesidade atingia 22% daqueles que não fumavam maconha em contrapartida a 14% dos usuários habituais. A segunda fonte mostrou que 25% dos não fumantes eram obesos, isto com relação a 17% dos consumidores regulares.

Os pesquisadores alertaram que “qualquer que seja a explicação sobre a correlação ‘obesidade x consumo de maconha’ é improvável que a canabis possa substituir uma dieta eficaz”.

Fonte: Blog do Valter Maierovitch

Mais uma aplicação medicinal para a maconha

 

Estudo da UFSC engrossa lista de benefícios que substância presente na planta pode proporcionar à saúde humana. Experimentos mostram que composto é eficaz no tratamento de memórias traumáticas.

Mais uma aplicação medicinal para a maconha

Plantação de ‘Cannabis sativa’. Pesquisa mostra que substância extraída da planta pode ser eficaz para tratar sequelas emocionais causadas por traumas.

Uma erva conhecida pela humanidade há mais de 4 mil anos e que tem uma série de aplicações medicinais comprovadas se mostrou promissora também no tratamento de sequelas emocionais causadas por traumas. O efeito é produzido pelo canabidiol, substância presente na maconha (Cannabis sativa) e que pode substituir vários medicamentos usados em tratamentos psicológicos, evitando seus efeitos colaterais.

O potencial de uso de C. sativa para a atenuação de traumas foi apontado recentemente pela equipe liderada pelo farmacologista Reinaldo Takahashi, no Laboratório de Psicofarmacologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Os pesquisadores utilizaram um modelo experimental comum em estudos que trabalham com estresse pós-traumático, que consiste em provocar traumas em camundongos por meio de choques elétricos sutis nas patas.

“Além de não produzir melhora clínica em todos os pacientes, os medicamentos hoje disponíveis podem causar efeitos colaterais”

“Quando colocado novamente no ambiente em que levou o choque, mesmo vários dias após o trauma, o animal responde autonomamente com um estado de ‘congelamento’, ou seja, fica imóvel”, conta Takahashi. Em termos neurológicos, a resposta é a mesma apresentada por uma pessoa que, após ser assaltada ou sofrer um acidente de trânsito, sente medo ao passar pelo local onde enfrentou a situação traumática.

Para tratar esse tipo de transtorno, geralmente o paciente é exposto várias vezes ao mesmo ambiente e deixa de ter sintomas de ansiedade com a ajuda de antidepressivos. “Mas, além de não produzir melhora clínica em todos os pacientes, os medicamentos hoje disponíveis podem causar efeitos colaterais”, diz o pesquisador.

No laboratório da UFSC, o doutorando em farmacologia Rafael Bitencourt descobriu que, ao receber doses de canabidiol, animais com memória traumática tiveram os sintomas de ansiedade reduzidos graças à interação entre o sistema corticosteroide, importante na regulação do metabolismo, com o sistema endocanabinoide.

A produção, pelo cérebro, de substâncias endocanabinoides (que têm esse nome por se assemelhar a componentes da maconha, mas de origem endógena) é que facilitaria o processo de reaprendizado emocional. Takahashi explica ainda que o canabidiol não tem os efeitos colaterais dos medicamentos utilizados hoje no tratamento de traumas.

            Teste com camundongo
Pesquisador faz teste de condicionamento com camundongo no Laboratório de Psicofarmacologia da UFSC. Animais com memória traumática tratados com doses de canabidiol tiveram os sintomas de ansiedade reduzidos (foto: Thiago Silva/ UFSC)

Segundo o pesquisador, desde a Antiguidade há relatos de usuários de maconha sobre os efeitos do canabidiol na extinção de memórias aversivas, o que direcionou algumas investigações farmacológicas.

“Em um congresso internacional recente ouvi relatos de veteranos de guerra norte-americanos sobre melhora no quadro de transtorno de estresse pós-traumático quando fumavam maconha”, conta. Mas ele ressalta que, como ex-combatentes podem usar várias drogas simultaneamente, não é possível dizer se o efeito é consequência direta de C. sativa.

Pesquisas com maconha

Estudos feitos em diversos países apontam que o canabidiol, que representa mais de 40% dos extratos de C. sativa, é eficaz no tratamento de depressão, esquizofrenia, epilepsia, transtorno bipolar e até leucemia e doenças neurodegenerativas, como mal de Alzheimer, além de ajudar a conter inflamações e controlar a pressão arterial.

O canabidiol é eficaz no tratamento de depressão, esquizofrenia, epilepsia, transtorno bipolar e até leucemia e doenças neurodegenerativas

Os efeitos psicoativos da maconha, que alteram temporariamente a percepção, o humor, o comportamento e a consciência de quem a consome, estão ligados sobretudo a outro canabinoide presente na erva: o tetraidrocanabinol (THC, na sigla em inglês).

Mas mesmo o THC apresenta efeitos de interesse medicinal. O Sativex, medicamento indicado no tratamento de esclerose múltipla, lançado em 2005 no Canadá, por exemplo, tem como princípio ativo uma combinação de THC e canabidiol. Outros dois medicamentos que utilizam o princípio ativo da maconha ajudam pacientes a conter náuseas e vômitos durante tratamentos quimioterápicos.

Na UFSC, além do efeito contra memórias traumáticas, Takahashi orienta estudos com o canabidiol que avaliam o potencial da substância no tratamento de dependência de morfina e na proteção do sistema nervoso em animais com doença de Parkinson.

Restrições

“Considerando que C. sativa tem cerca de 400 constituintes químicos e mais de 80 fitocanabinoides, é possível identificar outros compostos de interesse farmacológico”, diz o pesquisador. Mas ele ressalta que a dificuldade de trabalhar com substâncias psicotrópicas impede que pesquisas com outros compostos da maconha avancem no nosso país.

“As exigências para importar essas substâncias de países onde a produção é permitida são tão grandes, que muitos pesquisadores na área de drogas de abuso desistem de trabalhar com certos compostos”, diz Takahashi. “No caso do canabidiol, o aspecto crucial que permite sua importação é o fato de ele não ser considerado psicoativo.”

No Brasil, a lei 11.343, de 2006, proíbe “em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas”. Conforme a legislação, a União pode autorizar o cultivo de maconha “exclusivamente para fins medicinais ou científicos”, “em local e prazo predeterminados” e “mediante fiscalização”.

Célio Yano

Fonte: Ciência Hoje On-line/ PR

Campanha “Igual a você”

Os usuários de drogas foram uma das populações alvo da campanha "Igual a Você", lançada no fim de 2009 por cinco agências da ONU, entre elas o UNODC. A campanha tem como conceito básico a igualdade dos direitos entre as pessoas, com destaque para as populações de estudantes, gays, lésbicas, pessoas vivendo com HIV/aids, negros, profissionais do sexo, refugiados, transexuais e travestis, além dos usuários de drogas. A campanha é composta por dez filmes de 30 segundos veiculados em canais de televisão de todo o país.


A campanha surge como uma iniciativa contra as violações de direitos humanos e as desigualdades, especialmente nas áreas da saúde, educação, emprego, segurança e convivência. Trata-se de uma oportunidade de sensibilização da sociedade brasileira para o respeito à diversidade, que caracterizam cada um dos grupos sociais inseridos na campanha, reafirmando a igualdade de direitos.

Fonte: UNODC

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Grécia despenalizará a posse e o consumo de drogas

 

A Grécia irá descriminalizar a posse de “pequenas quantidades” de todos os tipos de drogas, indicou na quarta-feira o ministro da Justiça Miltiades Papaioannou após a aprovação de uma lei no Conselho de Ministros.

“A lei grega tem que estar de acordo com a legislação europeia, e as pessoas que estão com pequenas quantidades para uso pessoal não são consideradas criminosas”, apontou o ministro, complementando que “abuso de drogas é uma doença e não um ato criminal”.

Segundo a atual lei vigente na Grécia, a posse de drogas, mesmo em pequenas quantidades, é punível com multas de até cinco anos de prisão.

“Quase 4.500 dos 12.000 detentos das prisões gregas foram condenados por delitos relacionados com drogas “, disse Papaioannou, garantindo que no entanto, “o tráfico de drogas continuará sendo um crime punível com pena de reclusão de 10 a 20 anos. ”

O ministro também anunciou que a descriminalização é igualmente aplicável aos menores, citando uma lei que define que desde 2010 os menores não podem ser punidos com privação de liberdade prisões por crimes comuns, mas podem ser encarcerados por drogas.

Zona de trânsito para redes do narcotráfico

A droga segue sendo um tabu na Grécia, situada na fronteira do sudeste da Europa, e sendo freqüentemente usada por redes de trânsito do tráfico de drogas entre a Turquia, a Albânia e aa Europa Ocidental.

O primeiro-ministro socialista George Papandreou se mostrou várias vezes no passado a favor da legalização da cannabis, dizendo que este seria “um passo na direção certa.”

Papandreou é parte de uma “Comissão Mundial sobre as políticas anti-drogas” que reúne intelectuais, ex e atuais líderes da Europa e América do Sul, o ex-secretário-geral Kofi Annan, e personalidades como o ex-chefe do Federal Reserve dos  EUA Paul Volcker.

No início de junho, este “clube” com membros de grupos de pressão ao redor do mundo declarou em um relatório que a luta global contra as drogas “falhou” e que o único recurso agora é parar de criminalizar usuários de drogas.

Tradução Coletivo DAR

Fonte: AFP

“Polícia mata em nome da pacificação”–Entrevista com Vera Malaguti

 

Vera Malaguti Batista é secretária geral do Instituto Carioca de Criminologia, embora esclareça que tem uma formação “mais social que judicial”. Esteve na Argentina para encerrar a 9ª Conferência sobre Política de Drogas, organizada pela associação Intercambios en Congreso. Ali analisou os fenômenos midiáticos vinculados ao narcotráfico, à intromissão militar nas favelas cariocas e à situação carcerária.

Este último tema a motivou, junto com Pedro Viera Abramovay, a editar um livro chamado Depois do grande encarceramento (Ed. Revan, 2010), baseado nas colocações de um seminário realizado em 2008 no Rio de Janeiro, quando de 110.000 presos no Brasil, em 1994, se passou para 500.000 14 anos depois.

Além de socióloga, Vera Malaguti Batista fez seu mestrado em História Social na Universidade Federal Fluminense e é doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tornou-se conhecida no ambiente acadêmico do Brasil depois da publicação de uma pesquisa intitulada O medo na cidade do Rio de Janeiro. Dois tempos de uma história (Ed. Revan). Ali analisa as diferentes formas de controlar e disciplinar as massas empobrecidas, comparando o que ocorria em 1800 e em 1900.

Deste estudo se desprende não apenas a influência dos meios de comunicação de massa, mas também da Igreja brasileira, que orientou os medos para consolidar seus interesses, e a utilização do racismo para intensificar o medo do outro. A autora também assinala a importância do medo coletivo na construção das sociedades urbanas no Brasil.

Atualmente, Vera Malaguti Batista é professora de criminologia da Universidade Cândido Mendes e impulsiona uma mudança na legislação sobre as drogas no Brasil, num momento em que os crimes relacionados ao narcotráfico estão ficando sempre mais abundantes, como o da juíza Patrícia Ascioli, morta após condenar policiais que integravam “esquadrões da morte” no Rio. A desinformação e a contra-informação, diz, são essenciais para entender o retrocesso e os obstáculos para implementar políticas de drogas mais humanas e eficazes.

A entrevista é de Emilio Ruchansky e está publicada no jornal argentino Página/12, 05-09-2011. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

O que é o Instituto de Criminologia?

É um instituto de pesquisas. Temos uma revista que se chama Discursos Sediciosos. Crimes, direito e sociedade, onde trabalhamos temas relacionados com o direito, mas também com a arte.

Vocês têm alguma relação com o Estado?

Nenhuma, somos totalmente independentes.

Como monitoram a incursão do governo carioca nas favelas?

Temos uma avaliação totalmente negativa de uma ocupação bélica das favelas. É uma estratégia para fazer uma higienização da cidade para os grandes negócios transnacionais olímpicos e futebolísticos.

Não é uma “pacificação”, como se propala a partir do governo?

Essa palavra no Brasil tem uma história. Eu investiguei o que aconteceu em torno de 1830, quando o Brasil se tornou independente e houve um monte de rebeliões, histórias muito lindas, de indígenas, de escravos. Fiz um livro sobre a chamada Revolta dos Malês, dos escravos muçulmanos. “Pacificação” é uma expressão militar. Depois desta época de revoluções republicanas, no sentido radical do termo, as forças armadas do império brasileiro “pacificaram”. Isso quer dizer que em lugares como o Estado do Grande Amazonas, que hoje é Amazonas e Pará, matou-se metade da população. “Pacificação”, para quem conhece a história do Brasil, equivale a “dominação de território”.

Ou a extermínio...

Sim. Neste momento a polícia do Rio é a que mais mata no mundo. Este mês estão “comemorando” que houve apenas 800 mortos no ano; há três anos se chegou a 1.500. Essa é a “pacificação”, uma espécie de Pax Romana.

Neste momento o Rio é governado pelo PMDB, partido aliado do PT. Qual é a sua opinião sobre essa gestão no Rio?

O PMDB já existiu durante a ditadura militar. Está onde estão os negócios. Agora são centro-esquerda, mas em suas fileiras há gente de centro-direita, é uma mistura. O governo do Rio tem uma agenda politicamente correta, mas em segurança as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) têm uma camuflagem, que é a guerra contra as drogas, contra o crime, libertar as comunidades dessas máfias... mas por trás, se pode ver no mapa das comunidades pacificadoras que todas estão ao redor do Estádio do Maracanã, na zona Sul (Ipanema, Leblon), porque o Rio ainda tem favelas em áreas ricas; o belo é que é uma cidade misturada.

Na verdade mora mais gente nas favelas que no perímetro histórico da cidade. Isso se vê claramente antes de aterrissar no aeroporto internacional.

Justamente, o caminho desde o aeroporto, ao redor dos grandes estádios, nas zonas turísticas, tudo foi “pacificado”. Na semana passada entraram na Mangueira, que é um bairro lindo. O que fizeram? Entraram com tanques da Marinha e destruíram casas e pequenos negócios que são a economia local pobre. O município chama estas incursões de “choque de ordem”, é a política de higienização e o fim da verdadeira economia desses bairros.

Há alguns anos, os comerciantes pagavam esquadrões para matar os meninos pobres que andavam pelo centro. Isso voltou a acontecer?

Não, porque agora a polícia mata oficialmente em nome da pacificação e da guerra contra o narcotráfico. Além disso, os comerciantes estão tranquilos porque nas favelas pacificadas a polícia militar está permanecendo. Se você quiser fazer a festa de batizado de seu filho tem que pedir permissão à polícia militar, é um controle territorial, intenso e militarizado.

Qual é a situação do baile funk neste contexto?

Está proibido nas comunidades.

Mas é a música mais popular e não só nas favelas.

E nem sempre é violenta, mas às vezes é. Proibi-la faz parte da demonização das atividades das favelas. Agora há funk oficial, do governo. Estão cooptando artistas famosos para “o funk do bem”. Como é uma manifestação cultural de massas no Rio, é um dos objetivos militares.

O funk carioca nos anos 1970 impulsionava o orgulho negro e também foi perseguido pela ditadura.

O próprio samba foi criminalizado no começo do século 20! Se você ouvir os artistas negros perseguidos, como Bezerra da Silva, já falecido, vai perceber os mesmos olhares sobre as áreas populares, as mesmas estratégias, só que muda o leitmotiv; antes era o samba ou a capoeira e agora é o baile funk. Também há a questão sexual.

O baile funk é muito misógino.

Sim... mas há uma questão de certo puritanismo branco brasileiro.

Além disso, esta música fala do orgulho do usuário de drogas.

É a crônica dessa vida oprimida. O proibidão (variante do baile funk) inclusive é um desafio às investiduras policiais e à política proibicionista.

O controle da política militar reconfigurou a venda de drogas?

Houve mudanças na venda miúda, mas todos sabemos que o proibicionismo não acaba coma venda de drogas. Os países mais rígidos são os que apresentam maior crescimento na produção: Colômbia ou Peru, antes de (Ollanta) Humala. O Brasil quadruplicou, segundo o último relatório da ONU, o tráfico de cocaína para fora do continente, como corredor. No Brasil temos 40 anos de fracasso coma proibição: aumentou a produção, a comercialização, o consumo, a corrupção da polícia, a violência, de uma forma tremenda. Para que serve a política de drogas? Os objetivos que propõe não existem.

Ao mesmo tempo é discriminatória... Notou-se na última marcha mundial da maconha no Rio e em São Paulo.

Estava proibida. Meu marido, que é advogado, apresentou um habeas corpus e conseguimos realizar a marcha no Rio, mas em São Paulo foi proibida, e com tiros! Mas agora o Supremo Tribunal Federal disse que não é apologia e legalizou as marchas. Estamos muito atrasados também devido ao monopólio dos meios de comunicação; não temos jornais como o Página/12, que é um contraponto ao La Nación e ao Clarín. Creio que a Argentina, em todos os assuntos, tem uma agenda política vanguardista; conjuga movimentos políticos populares com causas como o matrimônio igualitário ou a despenalização da posse de drogas.

Mas no Rio há mais tolerância em certas zonas: fuma-se baseado na praia, nas ruas. Por que isso não chega à política?

Rosa del Olmo, que foi uma grande professora venezuelana que morreu há 10 anos e desconstruiu nos anos 1970 essa real política norte-americana, dizia em relação às drogas que houve uma mistura de desinformação e contra-informação, que produziu uma saturação que é funcional à ocultação do problema. Você tem uma espécie de massacre midiático sobre o problema, mas as pessoas não têm informação sobre indicadores de saúde ou propostas internacionais sobre o tema.

Como isto impacta sobre os usuários de drogas?

No Brasil, o problema não é tanto a criminalização do consumo, que é questão de classe média e está naturalmente descriminalizado. Quando jovem, eu vivia no bairro Santa Teresa e agora moro em Ipanema. Em Ipanema, se alguém fuma, a polícia não faz nada, mas se vem um vendedor ambulante fumando um baseado vai preso. Atualmente, no Supremo Tribunal Federal existe uma discussão muito qualificada, tanto que no voto da sentença pela marcha o juiz Celso de Melo, que é um jurista liberal, abriu a discussão para o uso terapêutico da maconha. Mas a opinião pública é monopolizada pelos jornais, pela Rede Globo e por um contraponto evangélico que é pior ainda: tem sua rede de rádio e televisão. Eles obstruem a discussão.

O Supremo não diz nada sobre a despenalização do porte de drogas?

Esse assunto não chegou ao Supremo, tem que ser provocado.

As pessoas vão presas, assim que deveria haver expedientes em trâmite.

Sim, mas o problema principal, onde se sangra literalmente, é no ponto da venda que envolve os pobres. No Brasil, não existe uma especificação na quantidade de maconha, por exemplo. É uma questão de interpretação. Eu investiguei mais de mil processos, quando começou esta política repressiva, entre 1968 e 1978. Se há dois rapazes com a mesma quantidade de drogas e um é branco de classe média é induzido a ir a um psicólogo ou ao médico, mas se é pobre e negro e mora na favela é considerado traficante. Creio que o problema é a demonização do tráfico, do comerciante minorista. Então, penso que descriminalizar apenas a posse vai produzir a mesma violência.

Também existem as internações obrigatórias pelo Código Penal, como na Argentina.

Existem e são inconstitucionais. Na guerra contra as drogas tudo é permitido: torturas, assassinatos... Criou-se um senso comum tão forte que quando a polícia entra nas favelas e mata 10 pessoas, eles dizem: “São 10 traficantes”. E está tudo bem. Insisto em que o nosso problema é a comercialização, assim como nos países andinos é a produção. Este tema vai de par com a discussão pela despenalização, que é totalmente correta e legítima.

Para além do Supremo, que postura tem o governo federal?

O governo da Dilma tem uma Secretaria de Política de Drogas no Ministério da Justiça. A titular, Paulina do Carmo Arruda, deu uma entrevista e disse que o crack, que é uma questão terrível, estatisticamente em saúde pública é um problema irrisório. Quase a mataram.

Como avalia neste sentido a experiência de Portugal?

Bom, Portugal descriminalizou o consumo. Há dois anos veio de lá a antropóloga Manuela Ivonne da Cunha, que fez um estudo sobre as prisões em Portugal e demonstrou que a descriminalização produziu um aumento na prisão dos africanos que vendem pequenas quantidades.

Nunca um grande narcotraficante...

O mesmo acontece no Brasil, onde não existe um grande negócio de drogas, é apenas uma categoria fantasmática. É diferente na Colômbia. O proibicionismo provocou os cartéis, como a máfia durante a lei seca.

Então, você acredita que se deve legalizar as drogas.

É o que dizia Rosa del Olmo: controlar pela legalidade. Até o crack pode ser controlado legalmente, como acontece com a heroína na Suíça ou a maconha na Holanda. O nosso modelo deve ser soberano, nosso, de acordo com os nossos problemas. Outra coisa que diz Del Olmo é que a agenda da guerra contra as drogas entrou na América Latina antes que tivéssemos um problema efetivo, estatístico, de saúde, com o uso de drogas. Será que a guerra produziu o consumo? Até a ditadura militar, no Brasil existia uma legislação sanitária sobre drogas ilícitas. Na ditadura entrou o modelo bélico, policial, norte-americano. E também se massificou o consumo de cocaína.

Atualmente, o Brasil é um porto de saída de cocaína para a Europa. Poderíamos considerar que esse é o verdadeiro negócio narco.

Um negócio institucionalizado, caso contrário, não aconteceria. É gracioso, no Brasil sempre dizem “foi preso um grande traficante” e, no final das contas, é um menino favelado. A realidade é que no comércio ilícito as pessoas se brutalizam, não apenas elas, a polícia também se brutaliza, vão se convertendo em matadores de pobres: eles falam de “autorresistência”, que é uma metáfora para encobrir uma execução policial. Além disso, se abriu um precedente perigoso: o uso das forças armadas em funções policiais no caso da pacificação. E o governo de Lula aprovou isto por lei... resultado: aumentou em 40% o número de presos por tráfico entre 2003 e agora. No Rio há grupos que vendem drogas e não negociaram com a polícia, como o Comando Vermelho, e todas as UPPs vão para áreas do Comando Vermelho. A polícia fica com o negócio.

Há alguns anos, Fernando Meirelles e José Padilha, diretores de Cidade de Deus ouTropa de Elite, garantiram que o usuário é cúmplice do narcotráfico, deslocando o foco da discussão que deveria ser a reforma da lei.

O filme Tropa de Elite é uma apologia de uma tortura e a parte dois é mais perversa ainda. Creio que eles acentuam a culpabilização do consumidor; discordo deles nesse ponto.Dilma chamou Pedro Abramovay para trabalhar na Secretaria de Políticas de Drogas e numa entrevista disse que além de despenalizar a posse, talvez faltava pensar os traficantes presos sem armas como vítimas do tráfico. Caiu. Dilma o tirou. Influíram a opinião pública e o medo.

Conhece a Paulo Teixeira? É um deputado federal que propõe a reforma da lei de drogas em seu país.

Sim, claro. Sofreu um massacre midiático por suas propostas. Tratam-no de protetor, de narco. Meu marido diz que o discurso sobre os traficantes é parecido com o religioso, ao de um herege: “Toma a alma de nossos jovens”. O traficante aparece como alguém que vai à escola e não como alguém que traz uma mercadoria que outro quer, como no capitalismo. Eu gosto do capitalismo, mas bom...

Reconhecer o uso é reconhecer o mercado...

Mas aí entra o discurso que você mencionava antes: “Então, a culpa é do consumidor que produz o mercado”. E começa a demonização do usuário. É um círculo vicioso, sem objetividade. A guerra contra as drogas só serviu para aumentar o poder discrecional da polícia, a venda de armas e a legitimação da truculência contra os pobres, que é algo histórico da polícia brasileira. Mas quando se pensa em mudar, as pessoas entram em pânico: “Vão liberar”. “Como vai ser?” E como é agora? Sabe quantos desaparecidos temos agora no Rio? 5.000 no ano passado. Parte reaparece vivo... mas parte desses desaparecidos foram mortos pela guerra contra as drogas.

Quem os faz desaparecer?

A polícia brutalizada que produziu a guerra.

Quantos aparecem?

Não sei, são dados classificados. Temos um observador que diz que os números da segurança no Rio são torturados. Além disso, quem dirige a parte de estatística é um coronel do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais). Na semana passada tivemos um caso chocante no Rio. A polícia entrou numa favela e disparou contra dois meninos: um foi ferido, o outro morreu e sumiram com o corpo. Esse menino estava indo à escola. Nas áreas pobres é uma tragédia este modelo de segurança máxima da UPP.

Tenho entendido que também há paramilitares.

Sim, as chamamos de “milícias”. São policiais que vivem dentro das favelas, são esquadrões da morte. No começo, os prefeitos do Rio disseram que eram uma “autodefesa contra o narcotráfico”, e as permitiram. Depois se expandiram e agora é polícia... contra polícia, porque as milícias querem ficar com parte do negócio das drogas. Antes controlavam a venda de gás, os telefonemas ilegais, internet, a economia informal. São máfia. As autoridades demoraram para se dar conta disso, até agora que matam policiais. “Fazem hora extra, é autodefesa contra o narco”, diziam.

Quem financia as milícias?

Elas se autofinanciam. Obrigam a pagar uma taxa de segurança e proteção. E não se pode denunciá-las porque são policiais. É o segundo emprego da polícia! Essa é a mistura louca que estamos vivendo no Rio. Esta semana também mataram um rapaz no morro. Disseram: “Era traficante”. A família corre para provar que era trabalhador. Se fosse traficante estaria tudo bem... esse é o problema.

Para a família também?

Às vezes, sim. Essa é a questão perversa. Claro que há lugares onde o traficante é alguém da favela que mantém uma boa relação, outros são de outras favelas e dominam o bairro pela força. O traficante não existe como categoria fixa. Existe um comércio louco, pulverizado, violento. Mas a polícia militar brutaliza muito os traficantes.

Têm muitos policiais militares presos?

Sim, muitos. Em geral, por assassinatos, e cada dia mais. Por isso, nem os Estados Unidos deixam que suas forças armadas se metam em problemas internos.

Fonte: Luis Nassif Online